Embriões humanos congelados
Para entender melhor o que é a manipulação de embriões humanos e o que seria ter essas células como fonte de células tronco, é importante conhecer um pouco do processo de geração e congelamento de embriões.
O congelamento de embriões existe principalmente por causa da quantidade de embriões que são gerados em laboratório nos tratamentos de reprodução assistida para casais com infertilidade conjugal. Isso ocorre porque faz parte do tratamento a estimulação dos ovários para que se obtenha mais de um óvulo durante um ciclo menstrual, diferente do que acontece nos ciclos naturais das mulheres. Obter mais de um óvulo é necessário porque existe uma perda natural ao longo do processo de geração de embriões de boa qualidade. Em outras palavras, nem todo óvulo consegue ser fertilizado pelos espermatozóides, nem todo óvulo fertilizado consegue se desenvolver em embrião de qualidade, nem todo embrião que é transferido para o útero consegue se implantar e iniciar uma gestação. É por isso que os casais que fazem esse tipo de tratamento têm em média 40% de chance de obter a gestação a cada tentativa. Essas perdas ocorrem tanto na natureza, quanto no laboratório, tanto que um casal que não tenha qualquer problema de fertilidade e que tenha uma vida sexual normal, sem estar evitando a gravidez, tem apenas em torno de 18% de chance de engravidar a cada ciclo menstrual da mulher.
Exemplificando o que acontece em um tratamento de fertilização in vitro (dados de 2007, do Centro de Fertilidade Rede Labs D’Or): em média se obtém 10 óvulos maduros, desses aproximadamente 70% fertilizam e aproximadamente 2,5 embriões são transferidos. De todos os casais, 65% não terão embriões remanescentes para ser congelados e os outros 35% terão um média de 6 embriões que não foram transferidos, para congelamento. No ano de 2007, 217 embriões foram congelados no Centro de Fertilidade Rede Labs D’Or.
E qual o destino desses embriões? O principal é proporcionar mais uma chance de gravidez para aqueles mesmos casais que fizeram tratamento, quer seja para obter uma segunda gestação após o nascimento do primeiro filho anos depois do tratamento inicial, ou para tentar, mais uma vez, caso a gravidez não ocorra com aqueles embriões frescos transferidos inicialmente. No entanto, alguns dos casais que tiveram embriões congelados, conseguem a gestação e não desejam ter outros filhos. Nesses casos, até o último dia ??? única possibilidade era a doação, já que não nos parece nobre, e nem permitido pelas leis brasileiras, o descarte de embriões humanos. Por mais que isso se aproxime de filmes de ficção científica, é muito mais freqüente do que imaginamos a existência de casais que gostariam de “adotar” um embrião, já que isso lhes proporcionaria a experiência única de transmitir seu amor de pais desde os primórdios da formação do bebê.
No entanto não são todos que possuem o desprendimento de doar seus embriões, frutos da combinação genética de seus óvulos e espermatozóides, mesmo que não queiram mais outros filhos. Tanto a doação, quanto a adoção, passa por foros muito íntimos e não cabe a ninguém de fora julgar. Para esses casais a possibilidade de utilização dos embriões para geração de células-tronco, ou para si próprios e seus filhos no futuro ou para tratamento de outros, surge como mais uma alternativa para o impasse com que eles se deparam naquelas situações.
Embriões humanos descongelados
Da mesma forma que existem perdas no processo natural de formação de embriões, elas também ocorrem no processo de congelamento e descongelamento de embriões. Segundo os dados do Centro de Fertilidade Rede Labs D’Or, apresentados no I Encontro de Saúde Reprodutiva do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, na dependência da técnica utilizada, 75 a 95% dos casos que tiveram seus embriões congelados e descongelaram para tentar a gravidez, tiveram embriões viáveis para transferência para o útero. Isso significa que, de 5 a 25% dos casos ficam sem embriões para transferir.
Daqueles casos que conseguem embriões em boas condições de chegar ao útero, 35% conseguem a gravidez. Com o descongelamento a história se repete: nem todo embrião com aparência de viabilidade tem todas as ferramentas para gerar uma gravidez.
Quando esses embriões forem descongelados para geração de células-tronco, provavelmente o mesmo irá ocorrer. Poucos conseguirão atingir seu objetivo maior: se diferenciar na célula de origem de um determinado órgão ou tecido.
A ética na manipulação de embriões humanos
Nesse momento de tantas divergências sobre o assunto da utilização de embriões humanos como fonte de células-tronco, é antiproducente levantar bandeiras do certo ou do errado. Para que as discussões se tornem produtivas e construtivas, seria importante compartilhar as experiências dos diferentes setores da sociedade. Não posso falar por todos que trabalham em laboratórios de reprodução assistida, mas somente deixar a visão do que sinto como embriologista.
É sempre importante revisar: células-tronco são aquelas com capacidade de multiplicar-se e diferenciar-se nos mais variados tecidos do corpo, como sangue, ossos, nervos, músculos, etc. Segundo a Dra. Mayana Zatz, geneticista e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, as células de um embrião de poucos dias são mais eficazes que as células-tronco adultas (como as do cordão umbilical). "Elas podem produzir alguns tecidos, mas não todos. Somente as células-tronco embrionárias têm o potencial de formar todos os tecidos do nosso corpo", explica a médica. A utilização de embriões como células-tronco, significa desenvolver métodos para que os mesmos se diferenciem de forma normal e fisiológica naquele tecido que se deseja tratar.
Existe um grande erro em propor que somente os embriões inviáveis sejam utilizados para tal tecnologia, pois é praticamente impossível prever qual embrião carrega em si todas as ferramentas para se desenvolver em um ser humano completo. Existem alguns indícios que utilizamos no laboratório que nos orientam quanto ao melhor ou pior potencial de um embrião, no entanto não são critérios absolutos e algumas vezes nos surpreendemos com uma gravidez oriunda de um embrião classificado como “feio”. Só temos certeza da viabilidade ou inviabilidade depois de observar o desenvolvimento dos embriões. Assim, aquele embrião que se desenvolve até o estágio de 6 a 8 células com três dias após a fertilização é potencialmente viável e pode ser transferido para o útero materno ou congelado. Podemos ainda estender o cultivo em laboratório e esperar até o quinto ou sexto dia após a fertilização; aqueles embriões que se diferenciarem em “blastocisto” são potencialmente viáveis e poderão ser transferidos ou congelados. Ou seja, os que não conseguem se desenvolver nesse ritmo certamente são inviáveis e podem ser descartados, pois não vão gerar uma gestação. Aqueles embriões que foram transferidos para o útero e que resultaram em gravidez são os únicos que podemos com certeza atestar como viáveis, mesmo porque, em torno de 60% a gravidez não ocorrerá após a transferência dos embriões potencialmente viáveis.
Para utilizar embriões certamente inviáveis como fonte de células-tronco, seria necessário que estendêssemos as culturas até o quinto ou sexto dia e utilizássemos somente os embriões que não chegaram ao estágio de blastocisto. No entanto, acho muito pouco provável que essas células sejam capazes de diferenciação e que se consiga algum resultado de pesquisa desta forma.
A meu ver, dar outro destino aos embriões que não seja a formação de um ser humano completo, não é matar o embrião e sim dar a ele uma outra forma de vida, igualmente nobre. Para desenvolver trabalhos com células-tronco será necessário utilizar-se de embriões potencialmente viáveis que não foram transferidos ou que estão congelados, mas cujos donos não mais desejam a gravidez.
Outros tópicos que podem ser desenvolvidos.
1) Diante da regra geral da natureza de que muitos se perdem para o sucesso de poucos, fica o questionamento da validade de se “perder” muitos embriões para se obter o desenvolvimento de um determinado tecido.
2) A grande questão em torno do uso de embriões humanos para outro fim que não a gravidez, gera em torno de quando a alma se “instala” naquele pequeno amontoado de células.